Por: Christian Burgos
Quando um tema tão
empolgante quanto Borgonha vai estampar a capa de nossa edição de
aniversário é tentação demais não colocá-lo à prova também no encontro
mensal que fazemos com amigos apaixonados por vinho.
Partimos da pergunta: será possível, em um painel, percorrer
alguns dos principais terroirs da Borgonha e transmitir a nossos
convidados a incrível diversidade de uma região que consegue apresentar
muitas personalidades com apenas uma uva?
Para compartilhar esse momento, os participantes – os
executivos da indústria automobilística Maurício Júnior e Rodrigo
Mantovani, o publicitário Ênio Vergeiro, os empresários Marcello Jallas,
Gabriel Zipman e Alexander Lipzyc, e a atriz Daniela Camargo – formaram
um eclético painel de grandes apreciadores, pessoas que já viajaram à
Borgonha, amantes declarados de Bordeaux e apreciadores de vinho
iniciando sua fascinante aventura nesse mundo.
Preparação
Organizamos a degustação em uma convenientemente confortável, mas
hipotética, ordem crescente de intensidade das regiões escolhidas:
Morey-Saint-Denis, Beaune (Beaune Clos du Roi), Savigny-lès-Beaune,
Chambolle-Musigny, Nuits-Saint-Georges, Pommard e Gevrey-Chambertin.
Buscamos ainda vinhos que fossem de uma só safra para diminuirmos a
influência do clima na comparação.
Dos sete, quatro são da Côte de Nuits, que fica situada na
parte norte da Côte d’Or e produz os melhores Pinot Noir da Borgonha e
do mundo. Dos 23 Grand Cru para tintos, 22 estão lá. Os outros três
vinhos foram selecionados entre os especiais tintos da Côte de Beaune,
que fica situada na parte sul de Côte d’Or e é famosa por produzir
alguns dos melhores Chardonnay da Borgonha. Dos oito Grand Cru brancos,
sete estão lá.
Percorrendo a Borgonha
Iniciamos nossa viagem pela Borgonha em Morey-Saint-Denis, uma AOC
comumente ofuscada pelos seus famosos vizinhos Chambolle e Gevrey.
Os vinhos de Morey geralmente têm classe e são capazes de
combinar elegância e estrutura, como comprovou o Morey-St-Denis Village
2008 do Domaine Alain Michelot.
AD 90 pontos
Morey-St-Denis Village 2008
Domaine Alain Michelot, Borgonha, França (Wine Stock R$ 220).
Um belo exemplar da tipicidade do Pinot Noir da Borgonha, com os aromas
da cereja e morango, uma elegante dose de mineralidade, taninos
presentes que mostram boa capacidade de evolução e final persistente. CB
|
Em seguida, partimos para Beaune, uma AOC que costuma produzir
vinhos mais leves e delicados, com coloração vermelho-rubi translúcida e
aromas de frutas vermelhas frescas e características notas herbáceas e
minerais. O Beaune Clos du Roi 2008 da Chanson Père & Fils foi
comparado ao Morey-St-Denis por Alexander Lipzyc como sendo “mais
misterioso e menos evidente, ao passo que o Morey tinha a qualidade de
ser mais direto”.
AD 92 pontos
Clos Du Roi Beaune Premier Cru 2008
Domaine Chanson Père & Fils, Borgonha, França (Vinci US$
119). Nariz etéreo que se apresenta em ondas de fruta silvestre, buquê
de flores e lavanda. Na boca, a fruta vermelha combina-se aos taninos
polidos e elegantes e à acidez, gerando um equilíbrio que muitos
atribuiriam elogiosamente a um vinho feminino. Seus 13,5% de álcool e 14
meses em barricas de carvalho francês estão muito bem integrados ao
conjunto. CB |
Nossa viagem nos levou a Savigny-lès-Beaune, uma AOC que tende a
fazer vinhos mais delicados e menos estruturados e tânicos que os de
Pommard (uma das próximas regiões apresentadas), lembrando os produzidos
na AOC de Beaune, porém em um estilo mais sutil e leve. O selecionado
foi o Savigny-lès-Beaune 1er Cru Les Narbantons 2008 do Domaine
Mongeard-Mugneret e o experiente Lipzyc ressaltou “o estilo mais
clássico, com mais umidade” deste vinho que foi uma das grandes
surpresas da noite.
AD 93 pontos
Savigny-lès-Beaune 1er Cru Les Narbantons 2008
Domaine Mongeard-Mugneret, Borgonha, França (Ravin R$ 385).
Grande vinho. Profundo. Um mergulho em aromas encobertos por um véu de
sensualidade que marca os destaques na Borgonha. Buquê de flores,
morango e talco. Na boca, os taninos são finos, mas prometem grande
evolução. A acidez está à altura, confere grande equilíbrio e prepara a
boca para o retrogosto que mostra fruta mais exuberante, com ameixa
fresca. CB |
O vinho seguinte foi da encantadora AOC Chambolle-Musigny, que
produz os mais elegantes tintos de Côte de Nuits, e, em geral, têm
coloração menos intensa e são menos tânicos que os tintos de Gevrey,
porém com mais concentração de fruta. Assim, o Chambolle-Musigny Les
Babillères 2007 de Deux Montille correspondeu às expectativas arrancando
de Marcello Jallas o elogio de “mais gastronômico” e chamando a atenção
de Lipzyc “pela persistência, salivação e acidez”.
AD 91 pontos
Chambolle-Musigny Les Babillères 2007
Deux Montille, Borgonha, França (Mistral US$ 159). O agradável
ataque apresenta aroma com morangos, um lácteo e mineral (fósforo). Na
boca, o traço lácteo se reafirma em conjunto aos taninos e boa acidez,
que se equilibram. Redondo e com fruta vermelha um pouco mais madura
seguida por um delicioso fim de boca à champignon. Realmente
gastronômico. CB |
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Sete grandes vinhos mostraram as singularidades de sete grandes regiões borgonhesas |
Rumamos em direção aos vinhos com mais estrutura, pelo menos em
teoria, com uma parada em Nuits-Saint-Georges, uma AOC que tipicamente
produz alguns dos vinhos borgonheses mais vibrantes e intensos de Côte
de Nuits, exibindo notas florais e aromas de cerejas negras. O
Nuits-St-Georges Vieilles Vignes 2008 do Domaine Robert Chevillon levou
Alexander Lipzyc a afirmar: “É impressionante que algumas pessoas digam
que não gostam da Borgonha”.
AD 92 pontos
Nuits-Saint-Georges Grand Vin de Bourgogne 2008
Domaine Robert Chevillon, Borgonha, França (Decanter R$ 368).
Com este vinho, cruzamos a fronteira da estrutura. Aromas mais austeros,
à terra molhada e musgos. Um passeio na floresta pela manhã, à medida
que a temperatura sobe um ou dois graus, os aromas de cereja passam a se
exibir. Na boca, a fruta já é mais intensa e a estrutura do vinho se
apresenta em camadas – primeiro a fruta, depois os taninos e, por fim, a
acidez que brilha e dá vida ao palato. Textura deliciosa. Grande
experiência. CB
|
Depois veio Pommard, AOC onde são produzidos os mais potentes e
estruturados tintos de Côte de Beaune. Geralmente, eles têm cor
vermelho-rubi profunda e taninos marcantes quando jovens. Gabriel Zipman
imediatamente coloca o Pommard 1er Cru 2008 do Domaine du Comte Armand
“em outra categoria, é o mais estruturado” e Marcello Jallas destacou os
aromas terciários, notadamente o couro.
AD 90 pontos
Pommard Premier Cru 2008
Domaine du Comte Armand, Borgonha, França (De la Croix R$
310). Estamos diante de um vinho no estilo “Anderson Silva”, cuja
estrutura se faz notar já no nariz, mas sem perder a elegância. Aromas
terciários (couro), mineralidade (grafite), floral (dama da noite) e
almíscar. Com corpo médio, boa estrutura tânica e acidez, será um grande
companheiro para a boa gastronomia. Vai se beneficiar de mais uns dois
anos em garrafa. CB |
Última parada: AOC Gevrey-Chambertin. Um Gevrey clássico tem
cor profunda e é mais encorpado e tânico do que a maioria dos tintos da
Borgonha. Os melhores podem envelhecer por décadas. Como em toda boa
viagem, a despedida é sempre superlativa e nos deixa com a certeza de
que temos que voltar muitas e muitas vezes. O Gevrey-Chambertin Vieilles
Vignes 2008 de Dugat-Py mostrou-se perfeito para o papel, arrancando
elogios de todos. Daniela Camargo imaginou uma floresta ao degustá-lo:
“Nem parece que você está em um restaurante em São Paulo.” Rodrigo
Mantovani achou o vinho “extremamente mineral. Nunca tomei um vinho tão
agradável.”
AD 95 pontos
Gevrey-Chambertin Vieilles Vignes 2008
Dugat-Py, Borgonha, França (World Wine R$ 622). Em muitos
países do mundo, o gentil Dugat-Py é um verdadeiro pop star. Para quem
já tomou seus vinhos é fácil entender o porquê. Um vinho nitidamente
diferenciado. Seus aromas “mutantes” vão se transformando na taça, mas a
mineralidade é o grande cartão de visitas, com pedra de isqueiro, logo
seguido de cogumelos, um delicioso floral e cerejas maduras
recém-colhidas. Seus aromas são como as brumas que se esparramam pelo
chão. Na boca, a estrutura tânica acompanha a cereja, que se confirma
muito elegante, e promete uma capacidade de evolução medida em décadas e
não em anos. Maravilhoso, mas ainda uma criança. CB |
Em uma viagem como essa, nada melhor do que encerrar com as palavras de Daniela: “Fui transportada para a Borgonha”.
http://revistaadega.uol.com.br/Edicoes/84/artigo271288-1.asp | |
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